Vital Brazil

O Professor Emérito Doutor Oswaldo Vital Brazil é um símbolo da Universidade Estadual de Campinas. Filho do médico, herpetólogo e higienista Vital Brazil, fundador do Instituto Butantan, o professor foi o instituidor do Departamento de Farmacologia, nos primórdios da Faculdade de Ciências Médicas. Veio para a Unicamp por uma jogada do destino. Atuava como assistente na Universidade de São Paulo e o indicado para vir trabalhar na Universidade Estadual de Campinas foi o Doutor Armando Otávio Ramos, (ex-reitor da Universidade Estadual Paulista) mas o amigo disse, que quem deveria vir para Campinas era o Doutor Oswaldo Vital Brasil. 
Sentado à mesa de sua sala, no Departamento de Farmacologia da FCM, o professor Oswaldo Vital Brazil, aos 91 anos, deu o seu depoimento sobre os 40 anos da fundação da Faculdade de Ciências Médicas e falando de seu trabalho na Universidade, resumiu: “Fiquei muito satisfeito de vir para a Unicamp e empenhei-me ao máximo para que o Departamento fosse bem sucedido. O que creio que consegui.” 
A Universidade só tem a agradecer.

Vital para FCM

Eu era assistente do Departamento de Farmacologia da USP, quando a Universidade Estadual de Campinas foi fundada. A Faculdade de Medicina foi a primeira instituição. Fui designado para fundar o Departamento de Farmacologia. Acompanharam-me o Maurício Gomes Lomba, falecido em 1969, o Boris Vargaftig, que ficou pouco tempo, por motivos políticos que ensobrenciam a época e por isso acabou viajando para a França. Era e é um homem de grande inteligência e capacidade. Na ocasião Júlia Prado Franceschi ingressou no Departamento. A Júlia não era formada em Medicina, era formada em História Natural pela USP. Iniciou-se em Farmacologia comigo. Ela veio para o Departamento de Genética, onde houve um desentendimento com o chefe do Departamento de Genética, que era na época o Professor Doutor Bernardo Beiguelman. Ela me procurou para saber se eu queria ficar com ela, porque o marido estava estudando Medicina aqui. Eu aceitei e ela foi muito bem sucedida. Prestou-me grandes serviços, porque era muito dedicada. Aqui no Departamento demos o curso de Farmacologia para os estudantes de Medicina. Iniciamos a parte de pesquisas. Iniciamos pesquisando o principal constituinte do veneno da cascavel que é a crotoxina. Fizemos um extenso trabalho sobre a crotoxina. Em 1969 fui para a Europa justamente para completar esse estudo sobre a crotoxina, usando métodos eletrofisiológicos. Estivemos seis meses na Inglaterra. Ao voltarmos o Maurício Lomba, que me substituía veio a falecer. Tivemos como assistentes, A Doutora Márcia Lomba, o ex-aluno da primeira turma, Doutor Luiz Yoshida, que ao se formar estava para ser contratado, mas não quis continuar. A Lea era estagiária. Tivemos vários estagiários. O Urbano e a Fátima Estrelal também trabalharam conosco. Outro que iniciou comigo foi o Marcos Dias Fontana. Muito dedicado ao ensino e a pesquisa. Foi um dos meus colaboradores mais importantes.

Aqui desenvolvemos várias pesquisas, que estão consignadas em um resumo que fiz denominado “Contribuição para a farmacologia, toxicologia e terapêutica, durante 63 anos”. Nesse opúsculo, estão resumidos os principais trabalhos realizados nesse Departamento, durante toda a minha passagem por lá.

Descobrimos a ação neuromuscular dos antibióticos. Fomos os primeiros no mundo a registrar que a estreptomicina em doses suficientemente elevadas é capaz de produzir bloqueio neuromuscular e que em certas circunstâncias pode produzir esse efeito no homem. Esclarecemos uma complicação que vinha ocorrendo no mundo inteiro e era mal compreendida.

Uma das descobertas que fizemos foi que uma droga é capaz de inibir o fenômeno de dessensibilização: a 3-4 diaminopiridina. Foi um dos principais trabalhos de nosso serviço. Estudamos o veneno da coral micrurus frontalis, descobrimos que ele é antagonizado pela neoestigmina e estudamos outra coral que causa freqüentes acidentes no Brasil, a coralinus, que atua com um mecanismo diferente. Afinal, procuramos sempre ao lado do ensino, dar muita ênfase ao desenvolvimento da pesquisa, auxiliado pelo Nadim (Nadim Farah Heluany Sobrinho, colaborador do Professor Vital até hoje) que iniciou em nosso serviço como técnico de laboratório. Mais tarde ele se formou em Biologia na Universidade Católica de Campinas e foi contratado como Professor Assistente.

É com satisfação que constatamos que nossas pesquisas são citadas em 94 teses realizadas no Brasil, na França e na Inglaterra, inclusive. Em 138 livros de repercussão internacional. São 612 artigos publicados em revistas estrangeiras. Essa é a repercussão que tiveram as nossas pesquisas.

O Álvaro Eugênio (Professor Doutor Álvaro Guilherme Benzeril Eugênio, ex-chefe do Departamento de Anestesiologia) era anestesista e ingressou como assistente do Departamento até ele formar o seu Departamento. Eu que propus a criação de um Departamento de Anestesia alguns anos depois que o Doutor Álvaro estava trabalhando comigo. Ele assumiu a chefia desse Departamento, E infelizmente veio a falecer recentemente.

Tivemos auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) desde o início. Enquanto não tínhamos o material, trouxemos emprestado um quimógrafo, que o chefe do Departamento de São Paulo, na época era o Professor Charles Corbett, permitiu. Eu era assistente e vim para a Unicamp, então ele permitiu que trouxéssemos o quimógrafo e outros aparelhos essenciais para podermos iniciar a pesquisa. A Fundação de Amparo à Pesquisa sempre nos prestigiou. Graças a isso temos, atualmente aparelhagem de ponta para realizar as linhas de pesquisas que percorremos durante todos estes anos.

Quando aqui chegamos o diretor da Faculdade de então era o Almeida (Professor Dr. Antônio Augusto de Almeida, diretor da FCM de 1963 a 1969), que era do Instituto Penido Burnier. Foi o responsável por trazer todo este pessoal para cá. Era um diretor muito ativo. O Departamento por exemplo, começo a funcionar em uma área que ainda não tinha sido inaugurada.da Maternidade que estava em construção. O segundo andar ainda não estava construído. Ali começou o Departamento, enquanto se decidia onde iria funcionar a Universidade.

Na USP eu não era chefe. Eu era assistente. E precisava de uma pessoa para cá. O Professor Charles Corbett indicou um assistente mais moço, que era o Armando Otávio Ramos, e ele disse: não sou eu que devo ir, é o Doutor Vital. E é por isso que eu vim. Graças a essa iniciativa do Armando, que já é falecido. Ele fundou o Departamento de Farmacologia em Botucatu. Fiquei muito satisfeito de vir e empenhei-me ao máximo para que o Departamento fosse bem sucedido. O que creio que consegui.

Quem conseguiu organizar a Universidade foi o professor Zeferino Vaz. O reitor de então, Mário Degni (Mário Degni, reitor da Unicamp na gestão de 10.10.1963 a 10.9.1965), era um bom clínico, mas absolutamente inexperiente em universidades. Então o Adhemar de Barros (governador do Estado de São Paulo na época) trouxe o Zeferino Vaz, que havia fundado a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Foi o Zeferino Vaz que conseguiu formar as cinco faculdades necessárias para que houvesse a Universidade. Não pode haver universidade com menos de cinco faculdades. Então ele incorporou a Odontologia de Piracicaba e fundou as outras Faculdades e deu todo o apoio para a Faculdade de Medicina e para o Departamento de Farmacologia.
Eu vim para cá independente do professor Zeferino Vaz. Só o conhecia de nome, naturalmente, mas o Zeferino tornou-se muito meu amigo no decorrer da nossa convivência aqui. Ele como reitor, e eu como chefe do Departamento de Farmacologia.

A mensagem que eu posso deixar é que todos estudem com a máxima dedicação, porque vão exercer uma profissão muito importante, que é a de médico. Os médicos precisam se preparar estudando, com muito esmero e se dedicando muito ao aprendizado. Que compreendam a importância do preparo do médico para atender a população. Isso é o que desejo a todos que freqüentam a Faculdade de Medicina.

Entrevista concedida a Eduardo Vella