Ciência e tradições afrobrasileiras se encontram para falar de saúde

Pais e mães de santo de comunidades afrobrasileiras do Brasil e pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp se reuniram na manhã dessa quarta-feira (20), no auditório da faculdade, para participarem da abertura do seminário sobre as práticas de cuidado à saúde realizadas no âmbito das comunidades de Terreiros que termina amanhã, no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. O evento é transmitido por videoconferência e no dia 21 de maio pelo sistema de telessaúde do Hospital de Clínicas da Unicamp.

“Realizamos 12 estudos de caso com comunidades de terreiro; estudos de experiências em Unidades Básicas de Saúde sobre o trabalho com religiões de terreiro e pesquisa epidemiológicas. Os resultados serão publicados em breve. Precisamos que o mito da ciência esteja lado a lado com outros mitos. A faculdade cumpre o papel de trazer aos futuros médicos e profissionais de saúde uma sensibilização e divulgação do conhecimento das tradições afrobrasilerias.”, disse Juan Carlos Aneiros Fernandez, professor do Departamento de Saúde Coletiva da FCM, pesquisador do Grupo de Pesquisa Diversidade Cultural e Saúde e anfitrião do evento.

De acordo com Rui Leandro da Silva Santos, representante do Departamento de Apoio à Gestão Participativa do Ministério da Saúde, comprovar cientificamente o conhecimento popular produzido nos terreiros diminui as iniguidades e fortalece o Sistema Único de Saúde (SUS), tornando-o democrático e com direitos iguais para todos. “O terreiro é mais que um espaço de preservação da tradição negra; representa a cosmovisão africana”, disse.

Para o sacerdote Tata Ngunz’tala, do terreiro Nzo Jimona Dia Nzambi de Águas Lindas, de Goiás, não reconhecer as diversidades é um preconceito muito forte. Tata contou o missosso de tradição angolana sobre a criação do mundo e da vida. “A academia é jovem para ouvir essa sabedoria milenar. Precisamos atravessar a fronteira que nos separa. O grande segredo está em ouvir a recomendação do sagrado”, disse.

Missosso angolano sobre a criação do mundo e da vida

Suku Kalunga, deus todo-poderoso, impessoal, criou todas as coisas. A Terra esquentou, esfriou, congelou e a vida brotou e tudo ia bem. O ser humano foi criado e se multiplicou. A morte e a doença recaíram sobre a espécie humana. Eles procuram o grande adivinho para saber o que fazer.

“O desrespeito e o desequilibro ofenderam a natureza. Ao primeiro cantar do galo, vocês devem se levantar e atravessar o rio”, explicou o sábio. O galo cantou, alguns ouviram e não se levantaram; outros dormiram em sono profundo. Dois, entretanto, levantaram-se e atravessam o rio. Ao chegarem do outro lado, seus corpos estavam reluzentes, translúcidos.

- Não foi o banho do rio que lhes deixaram assim, purificados. Vocês ouviram o conselho do sagrado. Agora vão e aguardem que outros estejam prontos para ouvir – disse o grande adivinho.

(Resumo da história a partir da narrativa de Tata Ngunz’tala)