Eliana Amaral fala sobre avaliação docente e ensino em saúde. “Esses assuntos suscitam a participação ativa da plateia"

Nos dias 25 e 26 de maio, a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp sedia dois eventos na área da educação dos profissionais da saúde. No dia 25 de maio, acontece o Encontro dos Projetos de Pós-Graduação Pró-Ensino/Capes e, no dia 26 de maio, o II Seminário Internacional sobre Carreira Docente nas Profissões da Saúde. A proposta é avaliar o impacto dos projetos de pós-graduação Pró-Ensino na formação profissional e mostrar as pesquisas produzidas pelos alunos da FCM e todo o Brasil; discutir a carreira docente na área da saúde e expor novas estratégias qualitativas de avaliação da carreira e progressão dos docentes que atuam nas áreas clínica e assistencial.

Diversos especialistas brasileiros e internacionais foram convidados para participar de ambos os eventos, dentre eles Maryellen Gusic, diretora do escritório de educação médica da Associação Americana de Escolas Médicas dos Estados Unidos; Page S. Morahan, da Foundation for Advancement of International Medical Education and Research (Faimer), Márcio Castro Silva Filho, da Capes e Manuel Costa, da Universidade do Minho, de Portugal.

Ambos os eventos são coordenados pela professora titular de obstetrícia do Departamento de Tocoginecologia da FCM, Eliana Martorano Amaral, reconhecida hoje como especialista em ensino na saúde. É coordenadora do Projeto Pró-Ensino  na Saúde da FCM – que tem como vice-coordenadora a professora Angélica Bicudo – e presidente da  Comissão de Corpo Docente (CVD) da faculdade.

Em 2011, a FCM iniciou a primeira turma de pós-graduação em Ensino em Saúde – hoje, há mais 30 estudantes do Brasil fazendo mestrado, doutorado e pós-doutorado nessa modalidade na Unicamp. E, em 2014, a FCM implantou o Portfólio Docente – uma reformulação do Relatório de Atividades Docente – como nova proposta de carreira docente que permite a avaliação mais qualitativa da atividade docente nos diferentes áreas de atuação, reconhecendo mérito também do ensino, da clínica e da administração.

Para contar sua experiência na implantação de ambos os projetos, Eliana Amaral concedeu entrevista e revelou que “esses assuntos suscitam a participação ativa da plateia onde quer que se apresente”.

“Dar uma abordagem científica ao ensino – que antes era exclusivamente empírico – é uma das prioridades hoje no ensino na saúde. Na FCM, nós já temos um olhar diferenciado para avaliação docente. E isso vale para todas as outras carreiras”, disse, antecedendo à entrevista.

FCM – O que é o projeto Pró-Ensino?
Eliana Amaral – É um projeto especial da Capes, lançado em 2010, para que as universidades apresentassem programas de pós-graduação com mestrado, doutorado e pós-doutorado – para preparar docentes para o ensino superior relacionado à saúde – medicina, psicologia, odontologia, enfermagem, fonoaudiologia, fisioterapia, farmácia, etc.

FCM – Qual foi a procura pelo curso de Ensino em Saúde após o lançamento?
Eliana Amaral – Já na primeira chamada foi surpreendente que houvesse tanto interesse nessa área. Pessoas da prática clínica e laboratorial, que tinham o gosto pelo ensino, acabaram atraídos para fazer pós-graduação. O curso é uma área de concentração dentro do Programa de Pós Graduação em Clínica Médica. Solicitamos e recebemos bolsas para apenas quatro vagas para o mestrado e três vagas para o doutorado, além de duas para o pós-doutorado. Hoje, temos mais de 30 alunos distribuídos entre mestrado, doutorado e já no pós-doutorado.

FCM – Por que o interesse desses profissionais por essa área de pós-graduação?
Eliana Amaral – A pós-graduação é necessária para a vida acadêmica. Muitas pessoas gostam da função de ser professor, de ensinar, mesmo que seja um clínico, um cirurgião ou um ginecologista e querem fazer o melhor possível. Meu primeiro aluno de mestrado a defender tese era otorrinolaringologista. E você precisa do doutorado em mãos para ser admitido numa universidade, como a Unicamp. O curso lhe oferece essas possibilidades.

FCM – O que muda nos alunos que fazem o curso?
Eliana Amaral – O programa é para formar pessoas capazes de pesquisar aspectos do ensino na saúde, por isso é um programa de pós-graduação. Isso traz a percepção crítica a respeito de como se ensina para a área da saúde, tanto do ponto de vista da produção do conhecimento, como também para o uso do conhecimento.

FCM – Discuti-se muito, tanto na graduação como na pós-graduação, os modelos curriculares e as estratégias de ensino. Como isso é ensinado e praticado dentro de um programa que pretende formar professores com visão crítica, científica e humanista?
Eliana Amaral – O estudante deve refletir sobre tudo e deve aprender baseado na sua necessidade. O meu papel como professor deve ser de facilitar esse processo. Tenho que motivar, estimular o estudante a resolver um problema e incentivá-lo ir ao máximo em busca das respostas. O que faz a diferença é a aprendizagem ativa. Uma das maneiras de se trabalhar em sala de aula é suscitando a participação dos estudantes e formando grupos ou equipes. A aprendizagem ativa é uma demanda hoje, inclusive, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2001, revistas em 2014.

FCM – O curso é promovido em parceria com a Capes e a SGETES e o projeto termina no próximo ano. Qual o futuro do programa?
Eliana Amaral – O encontro em Campinas no dia 25 é, inclusive, para rever a perspectiva de continuidade do projeto do ponto de vista da Capes e da Secretaria de Gestão de Trabalho de Educação e Saúde (SGETES) do Ministério da Saúde. O projeto provê financiamento para pagamento de bolsas de estudo, organização de eventos e tem sido muito útil para a participação dos alunos e docentes em congressos nacionais e internacionais. Os equipamentos da uma sala para gravação que usamos no curso, entre outros, foram adquiridos com esses recursos. Nós, na Unicamp, entendemos hoje, com mais experiência, que já podemos apresentar um programa de pós-graduação específico na área e vamos tentar isso perante a Capes. Estamos elaborando esse projeto.

FCM – Como é feita a avaliação docente e quais as particularidades no caso em se avaliar quem trabalha na área da saúde?
Eliana Amaral – Há algumas décadas a Unicamp instituiu o Projeto Qualidade para avaliar o desempenho do docente, valorizando a produção científica na forma de publicações de artigos indexados. Usar dados quantitativos – o quanto um docente publicou, por exemplo – é mais fácil porque é mais objetivo e exige menos julgamento do que dar o parecer sobre a produção docente. Mas numa área como a da Saúde, onde estamos muitas vezes dentro do hospital ou na Unidade Básica de Saúde com o aluno ou o residente, ensinando mão a mão, como avaliar a atuação do docente? Apenas as horas de atividade são insuficientes, falta incluir critérios de qualidade, de impacto. Assim, os critérios baseados na produção científica vinham gerando, cronicamente, insatisfação na área da saúde. A nova proposta de carreira, aprovada pela FCM e Unicamp em 2014, foi a grande mudança.

FCM – Conte-nos qual é esse diferencial e como se passou a avaliar o docente da área da saúde com essa mudança.
Eliana Amaral – O docente da área da saúde cumpre muitos papeis. Ele tem uma face pesquisador, uma clínica, uma assistencial e outra gestora. Por vezes, ele se destaca melhor em uma ou duas dessas facetas. No Portfólio Docente, ele escolhe qual é a sua área de destaque, que é respaldada pelo Departamento, depois relata suas atividades e oferece evidências de qualidade da atuação e do seu impacto. Há um processo de reflexão e crítica acadêmica por parte do docente. Dessa forma, o ensino pode ter o mesmo valor acadêmico que a pesquisa, sendo abordado de forma mais científica, quando o corpo docente aplica as evidências da literatura, avança com melhorias e reavalia suas atividades.  

FCM – É fácil definir esses indicadores qualitativos?
Eliana Amaral –  É preciso obter a avaliação dos estudantes sobre o desempenho do docente, a avaliação do Departamento e a reflexão crítica sobre o que ele pensa, a que veio, o que fez e para onde vai. Isso, num primeiro momento, causa insegurança. É a transformação da velha cultura de só olhar números em outras formas de impacto que podem refletir melhor os papeis cumpridos pelo docente da área da saúde.

FCM – Isso já existe em outros países?
Eliana Amaral – Esses indicadores já são usados há muito tempo nas escolas médicas norte-americanas. Durante o II Seminário Internacional sobre  Carreira Docente nas Profissões da Saúde, teremos a participação de Maryellen Gusic, diretora-médica da Associação Americana de Escolas Médicas dos Estados Unidos. Ela é uma autoridade nesse assunto e irá explicar como eles têm utilizado tais indicadores para avaliar a assistência e o ensino entre docentes da área da saúde.

FCM – Quando houve a implantação do Portfólio Docente na FCM a partir de 2014, qual foi a reação?
Eliana Amaral – Aqui na FCM houve aceitação. Era um clamor das bases. Foi uma grande vitória quando foi aprovado no Conselho Universitário (Consu). Precisamos entender que existe um lado científico no ato ensinar na saúde. Esse modelo de relatório de atividades pode ser implantado em outras áreas também. Sua implantação implica, inclusive, na melhor gestão de recursos humanos e no compromisso bilateral entre o professor e o gestor acadêmico, incluindo chefes de Departamento, para se cumprir aquilo que foi definido como a melhor contribuição docente e acordado entre as partes. É uma necessidade sentida em todo lugar onde apresento esse projeto.