Atrofias cerebelares em pacientes portadores das doenças do espectro da Neuromielite Optica (NMOSD)
Clínica Médica
Introdução: A Neuromielite Óptica (NMO) é uma doença neurodegenerativa de causa autoimune (cujo alvo provável é a aquaporina-4 (ou AQP4), encontrada nas membranas de células do SNC) que pode acarretar a déficits motores e visuais permanentes aos pacientes acometidos (com predileção de incidência em mulheres após a terceira década de vida), possuindo como características centrais a presença de neurite óptica (ON, inflamação do nervo óptico, estrutura que faz a condução dos estímulos visuais até as áreas cerebrais de processamento) e de mielite aguda (inflamação da medula espinhal, estrutura responsável pela comunicação entre o encéfalo e o sistema nervoso periférico). Entretanto, outras áreas podem ser acometidas (como o diencéfalo, a área postrema e córtex cerebral). Além disso, por ser uma doença que geralmente que se manifesta por surtos inflamatórios, os achados descritos acima podem não ocorrer ao mesmo tempo nos pacientes. Assim, a NMO se encontra dentro de um espectro de doenças (no inglês, Neuromyelitis optica Spectrum Disease, ou NMOSD) as quais possuem em comum ao menos um dos acometimentos que a NMO produz, como a ON isolada e a mielite transversa longitudinalmente extensa (LETM). O aumento no uso de diferentes técnicas de análise de imagens de ressonância magnética (RM), como a morfometria baseada em voxel (VBM), vem aumentando nosso conhecimento sobre o real dano no SNC nos pacientes portadores da NMOSD.
Objetivos: Trata-se de um estudo cujo objetivo é avaliar se os pacientes acometidos por NMOSD apresentam algum grau de atrofia cerebelar, utilizando para isso imagens de ressonância magnética de pacientes atendidos em um serviço de atenção terciária brasileiro.
Metodologia: Para a realização deste estudo, foram utilizadas imagens de ressonância magnética (MRI) de crânio de 32 pacientes com diagnóstico de NMOSD (com AQP4-IgG positivo no sangue periférico) atendidos pelo Departamento de Neurologia do Hospital de Clínicas da UNICAMP. Destes, 15 apresentavam diagnóstico de NMO, 8 apresentavam ON isolada e 9 apresentavam LETM. Para comparação de dados, foram selecionados 43 indivíduos sadios para composição do grupo controle (pareados por sexo (p=0,7) e idade (p=0,5)). As imagens de RM 3T ponderadas em 3D-T1 utilizadas foram segmentadas de acordo com os protocolos dos softwares SUIT (Spatially unbiased infratentorial template - http://www.diedrichsenlab.org/imaging/suit.htm) e CERES (http://volbrain.upv.es/instructions.php#ceres_ppline). Após a segmentação cerebelar realizada com o SUIT, foram investigadas áreas de atrofias através de T-test aplicados com o software SPM12 (https://www.fil.ion.ucl.ac.uk/spm/). Para complementação das análises nos subgrupos de pacientes acometidos, os resultados de volumetria dos diferentes lóbulos cerebelares obtidos com a segmentação realizada pelo software CERES foram analisados, utilizando teste de analise de variância (ANOVA) com o software SPSS20.
Resultados: As analises utilizando os softwares SUIT/SPM revelaram diversas áreas de atrofia cortical significativa nos pacientes portadores de NMOSD (p<0,05; T-estatístico >3,9). Os dados obtidos do software CERES corroboram este achado, mostrando diferença global no volume cerebelar entre os grupos NMOSD (112,9cm³; IC95:108,9-116,5 cm³) e controle (119,4cm³; IC95:115,2-123,7 cm³), p<0,05. Além disso, a análise do volume dos lóbulos cerebelares utilizando o método ANOVA (analise multivariada de variância) mostrou que o grupo NMO apresenta maior quantidade de áreas atróficas que outros grupos, quando comparados com o grupo controle, sendo especialmente importante as atrofias apresentadas em lóbulos VI, crus I e VIIIB. Após correção para múltiplas comparações (Sidak), confirmou-se atrofia severa do lóbulo VIIIB no grupo NMO, p<0,001.
Conclusão: As atrofias corticais cerebelares são um achado observável em pacientes com diagnóstico de NMOSD, especialmente no subgrupo de pacientes acometidos por NMO. Baseando-se em resultados de estudos presentes na literatura que tratam a respeito da topografia funcional cerebelar (através de analises de imagens de fMRI e PET), o padrão mais severo de dano observado no lóbulo VIIIB no grupo de pacientes com NMO sugere a possibilidade de comprometimento para a execução de funções motoras nestes indivíduos. Além disso, o padrão de atrofia também observado nos lóbulos VI e crus I pode estar associado com alterações do processamento de emoções, memoria de trabalho e funções de linguagem. Outros estudos envolvendo sintomas clínicos ou analises de outras técnicas de MRI nos pacientes com NMOSD podem auxiliar no entendimento do significado completo dos achados observados neste estudo.
Graduação
Neuromielite Optica, VBM, cerebelo, SUIT, ressonância magnética