Edição nº 651

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de abril de 2016 a 10 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 651

Uma avaliação funcional para crianças
com deficiência visual

Linha de pesquisa da FCM contribui para melhorar a qualidade de vida das pessoas com DV

A Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu a “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde” (CIF), que tem como objetivo descrever aspectos relacionados às atividades e à participação do indivíduo na sociedade, por meio de uma linguagem unificada e padronizada e uma estrutura que descreva a saúde e os estados relacionados a ela. A utilização desta classificação ainda é complexa tanto no âmbito acadêmico como profissional. O mesmo ocorre na área da deficiência visual (DV), em que poucos são os estudos publicados correlacionando a utilização da CIF com essa população, principalmente quando de crianças.

Ainda em relação ao desempenho funcional é empregado o “Inventário de Avaliação Pediátrica da Incapacidade” (PEDI, sigla derivada do inglês Pediatric Avaluation of Disability Inventory), instrumento que contempla a avalição global infantil, enfocado nos propósitos do CIF. O instrumento tem o objetivo de informar o desempenho funcional de crianças na faixa etária entre 6 meses e 7 anos e meio de idade.

O emprego adequado destes dois instrumentos pode ser importante quando se sabe que a ausência parcial ou total da visão pode acarretar dificuldades no desempenho de muitas atividades básicas do cotidiano, interferindo nos aspectos relacionados à qualidade de vida de crianças e de seus familiares. Crianças com DV estão muitas vezes sujeitas a situações de atraso global do desenvolvimento.  Torna-se, então, importante pensar de maneira abrangente e funcional a avaliação da criança com DV de forma a contemplar comportamentos corporais, cognitivos, sensoriais, comunicativos, afetivos, que influem nos aspectos relacionados ao desenvolvimento, à aprendizagem, ao desempenho e à participação social.

Essas questões delinearam o estudo desenvolvido pela terapeuta ocupacional Paula Vieira Alves que teve como objetivo propor uma estratégia de avaliação funcional para crianças com DV por meio do PEDI e do Protocolo de Avaliação Funcional, por ela desenvolvido, de modo a classificá-las de acordo com a CIF-CJ, versão para crianças e jovens. Participaram da pesquisa exploratória cinco crianças com diagnóstico de baixa visão ou cegueira, atendidas pela Laramara – Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual. Para estabelecer uma correlação de dados entre itens do PEDI e componentes da CIF-CJ a pesquisadora desenvolveu o trabalho em três etapas: 1) análise dos dados de prontuário; 2) aplicação do PEDI através de entrevista com o responsável pela criança; e 3) aplicação do Protocolo de Avaliação Funcional das Percepções Sensórias de Crianças com Deficiência Visual, elaborado por ela com base nos componentes da CIF-CJ.

A pesquisa foi desenvolvida com orientação da terapeuta ocupacional Rita de Cássia Ietto Montilha, professora do curso de graduação em fonoaudiologia oferecido pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, chefe do Departamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação (DDHR) e que atua no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (Cepre), vinculado à mesma unidade, onde se dedica à reabilitação de pessoas com deficiência visual e promove a formação e capacitação de profissionais para essa área. Para auxiliar nas questões e discussões relativas à baixa visão, ela convidou uma especialista da área, a oftalmologista Maria Aparecida Onuki Haddad, da USP, que participou como coorientadora do estudo.

A linha de pesquisa mantida pela docente visa contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas com DV de forma a que consigam maior nível de inclusão social na família, na escola, no trabalho, no lazer. Para isso, ela considera em seu trabalho a necessidade de desenvolver métodos mais adequados ao desenvolvimento da pessoa com DV, dentro de uma visão global delas. Além de desenvolver conhecimentos que lhe possibilitem comparar os resultados obtidos com os de outras realidades do Brasil e do mundo. Diante dessas perspectivas, diz ela, “o trabalho da Paula permite uma avaliação das crianças situadas no segmento estudado e, a partir da caracterização do estado em que se encontram, sugerir o estabelecimento de um processo de atendimento que procure viabilizar a superação das dificuldades que manifestam, decorrentes da inserção social em que se encontram”. O mestrado foi realizado junto ao programa de Saúde Interdisciplinaridade e Reabilitação, vinculado ao DDHR, mantido pela FCM.

Paula considera que “a metodologia proposta apresenta aplicabilidade acessível e de fácil reprodução que pode ser usufruída por multiprofissionais, como terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos e das demais áreas que atendam ou se deparam com os problemas decorrentes da deficiência visual infantil. A avaliação que propomos mostra-se simples, barata e viável. Pode ser aplicada por qualquer profissional que tenha familiaridade com esta área de atuação”.

Para as pesquisadoras, a sua aplicação pode ser concretizada com a divulgação do estudo através de artigos, de cursos de capacitação e especialização, de disciplinas de graduação e pós-graduação, de modo que os resultados decorrentes do emprego do protocolo proposto possam ser usufruídos pelas comunidades.  Paralelamente elas entendem que o trabalho possa contribuir para desmistificar as dificuldades atribuídas ao uso da CIF, que começa a ser introduzido no Brasil.

Explicações necessárias

Com base nas características da deficiência visual e a diversidade de comportamentos visuais de pessoas com baixa visão ou cegueira, a autora considerou que uma avaliação das funções relacionadas à visão e às percepções sensoriais seria de grande relevância para o estudo. Ao analisar itens referentes às funções corporais da CIF-CJ e ainda com base em sua experiência e de suas orientadoras, a autora elegeu, para a idade de 4 a 7 anos e meio, como componentes relevantes as percepções visuais, táteis, proprioceptivas, auditivas, bem como noções de corpo e deslocamento. Além disso, acrescentou a utilização de equipamentos de tecnologia assistiva que corroboram o melhor desempenho global de crianças com deficiência visual, como óculos e bengalas. Para garantir uma boa analise funcional a avaliação foi elaborada com auxílio dos conhecimentos clínicos da oftalmologia.

A pesquisa exploratória adotada pela autora tem como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema estudado de forma a torná-lo mais explícito ou a possibilitar a construção de hipóteses. Para a definição de cada um dos componentes de sua proposta de metodologia de avaliação ela considerou nas crianças estudadas: orientação em relação a si própria; orientação em relação ao espaço; percepção visual; percepção tátil; percepção da visão espacial; imagem do corpo; sensibilidade à luz; visão de cores; visão de contraste; detecção do som; discriminação do som; função tátil; reconhecimento de imagens simples; reconhecimento de detalhes em imagem complexa; produtos e tecnologia para uso pessoal – óculos; produtos e tecnologia para mobilidade e transporte pessoal – bengala.

A avaliação dos pacientes com DV envolve inicialmente o parecer de um oftalmologista que determina que eventuais recursos óticos ou instrumentos eles devam usar. Depois ocorre a avaliação funcional, que pode ser realizada por profissionais que atuem na área da deficiência visual, como terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, pedagogos, entre outros. Essa avaliação deve se ater tanto a questões visuais como sensoriais do indivíduo. Paula explica: “A avaliação visual clínica permite determinar em que grau ele enxerga e qual a sua acuidade visual. Mas deve ser complementada também por uma avaliação sensorial que envolve, por exemplo, a capacidade de discriminar sons, de distinguir texturas ou objetos diferentes, de forma a se dimensionar como ele utiliza esses outros canais de forma funcional, considerada a deficiência ou ausência da visão. Mesmo porque crianças com diagnósticos visuais iguais e acuidades visuais similares podem apresentar funcionalidades visuais diferentes, dependendo da maneira como utilizam a visão e dos estímulos que recebem do meio em que vivem”.

Em decorrência, a pesquisadora se preocupou em localizar o que a criança com DV consegue desempenhar e o que não faz em decorrência de sua deficiência ou do meio em que está inserida. Isso a levou a utilizar, como parâmetro, algumas avaliações já padronizadas na área da infância para a faixa etária selecionada para estudo. Para tanto utilizou o PEDI, instrumento já validado no Brasil, que tem alguns itens relacionados à infância, para determinar o que a criança consegue ou não fazer em sua faixa etária, e traçar um perfil do grau de desenvolvimento em que ela se encontra em relação ao padrão esperado. A determinação dos parâmetros selecionados é feita através de algumas atividades básicas previamente escolhidas, o que, confessa a autora, lhe tomou um bom tempo do trabalho, pois para o desenvolvimento do protocolo era preciso identificar o que se pretendia avaliar e os meios de como fazê-lo.

Ela enfatiza: “Em nossa atividade como terapeutas ocupacionais precisamos intervir onde a criança está com dificuldade, pois é o seu desempenho que pretendemos melhorar. E nisso deve estar centrada a reabilitação. Precisamos então definir os elementos que vamos utilizar para provocar os estímulos necessários”. Em vista disso, ela entende que o trabalho possa contribuir para orientar profissionais e políticas públicas e levar a própria sociedade a observar o portador de DV com maior discernimento colocando em evidência suas potencialidades e qualidades e amenizando suas deficiências.

Paula esclarece, ainda, que aplicou o PEDI cruzando-o com os componentes da CIF, utilizou o protocolo de avaliação funcional que desenvolveu e fez uma análise dessa metodologia de avaliação pensando na sua possibilidade de utilização por outros profissionais. Não descuidou de que os materiais utilizados fossem fáceis de serem encontrados. Preocupou-se também com que os resultados obtidos realmente forneçam parâmetros dentro da classificação estabelecida pela OMS.

Publicação

Dissertação: “Proposta de avaliação funcional para crianças com deficiência visual com base na Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde versão para crianças e jovens (CIF-CJ)”
Autora: Paula Vieira Alves
Orientadora: Rita de Cássia Ietto Montilha
Coorientadora: Maria Aparecida Onuki Haddad
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)