Edição nº 651

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de abril de 2016 a 10 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 651

Uma comunidade de mães empoderadas


Um novo tipo de mãe está surgindo no consultório dos pediatras de todo o país. Ela não aceita tudo o que o médico diz ou determina. Argumenta, retruca, refuta e só faz o que considera correto em cada caso. Ouvir de um pediatra que o bebê só deve ser amamentado a cada três horas, por exemplo, já é motivo para muitas mães trocarem de médico. Elas leram as recomendações da Organização Mundial da Saúde de que o aleitamento materno deve ser em livre demanda. Elas trocaram experiências em comunidades virtuais e, nesses espaços, leram diversos artigos sobre o tema, muitos dos quais contrariando a opinião do pediatra.

Uma dessas comunidades está no Facebook há sete anos e já recebeu pelo menos um milhão de visitas. O grupo, denominado “Apoio Materno Solidário”, acabou congregando outros tantos com debates sobre temas que preocupam as mães. Como administradora do grupo, a pedagoga Simone Tenório de Carvalho percebeu a mudança no jeito com que as mulheres se relacionavam com o pediatra dos filhos e decidiu, a partir daí, desenvolver seu mestrado.

Simone chegou à Unicamp depois de contatar o pediatra e professor aposentado José Martins Filho, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), autor do livro A criança terceirizada, que passou a ser seu orientador. A pesquisa ouviu 200 mães por meio de questionários. Quarenta mulheres aceitaram conversar com Simone online, contando suas experiências. As entrevistas foram inseridas em uma base de dados criada pelo professor Fernando Lefèvre, titular aposentado da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), autor de uma teoria chamada “Discurso do sujeito coletivo” na qual se baseia seu mestrado.

“Por meio de um programa de computador, eu inseri as informações das entrevistas e fiz a conexão dos duzentos discursos como se fosse uma só mãe falando. É interessante notar como todos os discursos desembocam em um mesmo lugar”. Este lugar, como se refere a autora, é o das “mulheres empoderadas”. O termo vem ganhando cada vez mais força nas redes sociais entre os indivíduos que defendem mais autonomia e respeito às decisões da mulher. Neste caso, trata-se do que Simone considera “empoderamento materno”, ou “autopoder materno”.

Comunidade

A comunidade que Simone administra é composta de cinco grupos que discutem amamentação, introdução alimentar, volta ao trabalho, maternidade e empoderamento materno. “A razão principal que leva as mães a buscarem a comunidade, em linhas gerais, é a vivência de alguma dificuldade no pós-parto, em especial com o momento da amamentação”, descreve a autora.

Entre as 200 mães que responderam aos questionários, a maioria estava na faixa etária de 31 a 40 anos, foi qualificada como de alta classe média ou com nível de graduação e pós-graduação. “Em relação à ocupação profissional, os grupos mais representativos são docentes, psicólogas, bancárias, jornalistas, advogadas e estudantes. O número de mulheres casadas e com apenas um filho também prevaleceu e a duração do aleitamento materno na última gestação girou entre 12 a 24 meses”.

As mães ouvidas buscavam, em sua maioria, atendimento no sistema privado, cuidavam sozinhas dos filhos ou dividiam as tarefas com familiares, sendo que uma pequena parcela optou por berçários e creches. Muitas não informaram o tempo exato de licença maternidade; “ou porque abandonaram seus empregos para cuidarem dos seus bebês, ou porque desde a primeira gestação ainda estão em casa em período integral e não retornaram ao mercado de trabalho”.

O pediatra dos filhos

Em relação ao atendimento do pediatra, Simone verificou as categorias: dúvidas iniciais, orientação e apoio à amamentação; escuta sensível do pediatra no pós-parto; uso de linguagem de fácil compreensão e conhecimento prévio sobre as orientações pediátricas. Mais de 80% das mães declararam possuir conhecimento prévio sobre suas dúvidas, e 170 mães responderam que não acataram as orientações do pediatra.

“O pediatra só é ouvido e seguido, neste contexto, quando reconhece a capacidade de autogerenciamento da mãe, está atualizado quanto à sua própria especialização e desenvolve uma interação com essa mãe”, observa a pesquisadora.

A partir dos resultados da pesquisa, Simone considera importante que a discussão seja levada aos residentes de pediatria. “Quanto mais evidente o empoderamento materno, maior é a necessidade de um atendimento baseado na escuta sensível das percepções e saberes adquiridos pela mãe”.

Segundo Simone a avaliação negativa do atendimento médico leva algumas mães inclusive a desistir do acompanhamento do pediatra. “Há mães que somente procuram o posto de saúde quando é necessário, para medicar a criança. O pediatra não faz acompanhamento da criança”.

Publicação 

Dissertação: “Percepção das mães de uma comunidade virtual acerca do empoderamento materno nas consultas pediátricas”
Autora: Simone Tenório de Carvalho
Orientador: José Martins Filho
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)