Resumo
A hemólise intravascular (HI), ou seja, a destruição das hemácias na circulação, está presente em diversas condições, como a anemia falciforme e infecções. O rompimento das hemácias resulta na liberação de padrões moleculares associados ao dano (DAMPs), como hemoglobina (Hb) e heme, capazes de induzir o processo inflamatório estéril. Estudos indicam a participação do inflamassoma NLRP3 na resposta inflamatória ao heme e a outros DAMPs, no qual o inflammasoma processa a citocina IL-1β, contribuindo para a ativação e morte celular. O objetivo deste trabalho foi investigar os efeitos in vivo da HI aguda e crônica, e a participação da formação de inflamassomas e ativação de caspase-1 nestes mecanismos, visando aprimorar a compreensão da fisiopatologia de doenças em que ocorrem HI. Utilizamos dois modelos murinos para simular a HI: um de caráter agudo, provocado por estresse osmótico (HEM), e outro de natureza crônica, desencadeado por repetidas baixas doses de fenilhidrazina (HEM Crônica). Ensaios in vitro foram realizados para avaliar a resposta de células endoteliais de cordão umbilical humano (HUVECs) aos estímulos de heme e da alarmina, S100A8. A indução de HI aguda eleva de forma imediata e significativa as concentrações de Hb e heme livres no plasma dos camundongos. A haptoglobina (Hp), proteína de remoção de hemoglobina, foi reduzida dentro das primeiras 3 horas, e a hemopexina (Hx), proteína de remoção de heme, teve tendência de redução após 3 horas. Camundongos HEM apresentaram leucocitose, especialmente de granulócitos e monócitos, em 1 e 3 horas, associados a liberação das citocinas pro-inflamatórias TNF-α, IL-6, IL-1β e IL-18, além da S100A8. A HI aguda também induziu o aumento de monócitos (Ly6ChiCD43+) e neutrófilos (Ly6GhiCD11+) periféricos com caspase-1 ativada (FLICA+). Camundongos HEM apresentaram aumento de leucócitos em rolamento, aderidos e extravasados na microvasculatura do cremaster, associado à diminuição significativa da perfusão e da velocidade do fluxo sanguíneo microvascular da pele. A inibição do inflamassoma NLRP3 com MCC950, ou de caspase-1 com YVAD, reduziu a contagem de monócitos e neutrófilos com caspase-1 ativada, diminuiu leucócitos em rolamento e aderidos a parede dos vasos, e reverteu a diminuição da perfusão da microvasculatura. Nenhum dos tratamentos resultaram na diminuição significativa da liberação de TNF-α ou de IL-1β nos animais HEM. Animais em HEM Crônica apresentaram depleção significativa de Hx a partir do 14º dia, indicando uma remoção constante dessa proteína neutralizante de heme. Houve um aumento significativo nos níveis de IL-1β e IL-18 no plasma de camundongos HEM Crônica, juntamente com aumento de monócitos e neutrófilos periféricos com caspase-1 ativada. A avaliação de macrófagos no tecido hepático indicou um aumento na população de macrófagos (F4/80+CD11b+) e macrófagos residentes (F4/80+CD11b+CD206-) com caspase-1 ativada. Camundongos HEM Crônica tiveram um aumento significativo da expressão proteica do inflamassoma NLRP3, reduções das subunidades inativada e clivadas de capase-1, sem alterações na expressão de IL-1β imatura ou clivada. Por fim, nos experimentos in vitro com HUVECs, confirmamos que o heme induz o aumento da expressão das moléculas de adesão ICAM-1, VCAM-1 e E-selectina, e liberação de IL-1β, IL-8 e MCP1, associadas a atividade de caspase-1. O heme resultou no aumento da expressão gênica de CASP1, sem afetar a expressão de RNAm de NLRP3, PYCARD, IL1β e IL18 pelas células HUVECs. Demostramos, de forma inédita, que o heme provoca a liberação da alarmina S100A8 pelas HUVECs, e que essa alarmina, quando incubada isoladamente com as HUVEC, induziu o aumento da produção de IL-1β, IL-6 e MCP1, no entanto, S100A8 não afetou a expressão das moléculas de adesão. A incubacao das HUVECs com S100A8 seguida de heme, revelou que a S100A8 potencializa os efeitos de heme para a liberação de citocinas e na expressão genica de CASP1 e PYCARD. Esses resultados proporcionam uma melhor compreensão de como a ativação de caspase-1 e do inflamassoma NLRP3 em diferentes tipos celulares contribuem para os processos inflamatórios em resposta à hemólise. Destaca-se que a atividade de caspase-1, e não necessariamente a IL-1β, desempenha um papel significativo no recrutamento de leucócitos e na hipoperfusão subsequente à hemólise, indicando a caspase-1 como um potencial alvo terapêutico para atenuar os efeitos adversos decorrentes dos processos hemolíticos.
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