Vacina
Manoel Barros Bértolo, diretor-executivo da Diretoria Executiva da Área da Saúde - Deas. | Francisco Hideo Aoki,  coordenador dos testes com a vacina na Unicamp. Foto: Antonio Scarpinetti

O médico infectologista Francisco Hideo Aoki teve razões para se emocionar mais do que as pessoas que viram o vídeo com os diretores do Instituto Butantan comemorando o anúncio da eficácia da CoronaVac. Ele coordenou na Unicamp os testes com a vacina, que no total envolveram ainda quase 13.000 voluntários aptos, entre médicos, residentes, fisioterapeutas, técnicos, enfermeiros e outros profissionais da área de saúde em contato direto com ambientes onde estavam altamente expostos ao SarsCov2 e muito propícios a se infectar com o vírus pandêmico. “Foi um fabuloso desprendimento de todos que vieram participar do estudo como voluntários – e ao mesmo tempo em que atuavam (e atuam) como guerreiros lutando contra a Covid-19. Devemos reverenciá-los ajoelhados, com a cabeça tocando o chão.” 

Aoki concedeu a entrevista que segue antes da polêmica causada pelos índices aparentemente díspares de 78% e depois de 50,39% anunciados pelo governo paulista, e da aprovação do seu uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, neste domingo (17), mas ele continua comemorando, como sustentou posteriormente. “Os 50,39% expressam a grau de proteção geral e coletivo em um grupo de voluntários altamente expostos à SarsCov2, num desafio proposital por parte dos colegas do Butantan de submeter a vacina à prova entre profissionais de saúde que atendem pacientes e estão em ambiente hospitalar onde este vírus circula muito intensamente. Esta condição de estresse máximo dos profissionais, em hospitais e clínicas, mostra quão importante é o estudo capitaneado pelo Butantan.”

O resultado de 50,39% é expressivo, ressalta o médico, e está de acordo com os ditames da Organização Mundial da Saúde, da Anvisa e certamente dos órgãos regulatórios de todos os países. “Várias vacinas demonstram eficácia de cerca de 60% (pouco mais ou até menos) e estão liberadas, cumprindo o papel de proteger as populações. Já a proteção de 78% significa que indivíduos expostos, e mesmo vacinados com duas doses, desenvolveram apenas a forma leve e no máximo mediana da doença, sem necessidade de internação. E, embora com número pequeno para uma análise definitiva, a cifra de 100% de indivíduos sintomáticos que não tiveram doença na forma de mediana gravidade, grave ou óbito, não chegando às UTIs, também é importante.”

O docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) faz críticas severas às autoridades da saúde que “têm a caneta na mão e assinam errado ou não assinam o que devem”, defendendo o início imediato da vacinação com a CoronaVac. “Temos vacina, segura, milhões de doses para uso já, capacidade de produção no Instituto Butantan, mecanismo de distribuição adequado e condições ambientais de manutenção dentro da cadeia de frios já existente para a vacina comum (entre 2º C e 8º C). A vacinação pode reduzir drasticamente o número de internações e de óbitos, permitindo que quem se infecte não desenvolva doença grave com necessidade de internação. Que iniciemos a toque de caixa a vacinação para Covid-19, temos tudo para transformar 2021 no ano da recuperação de um pouco de normalidade em nosso país.”

Quanto à execução da vacinação propriamente dita, Aoki vê muita tergiversação, que considera inadequada no momento em que mais de 200 mil brasileiros perderam a vida, em curtíssimo espaço de tempo, sem que se tenha um programa bem estabelecido para todo o país. “É lamentável, para não dizer palavras indizíveis. A própria imprensa tem veiculado as dificuldades causadas pelo sub ou não financiamento para tudo que se refira ao combate à pandemia de Covid-19, o bate-cabeça entre dirigentes, o puxa daqui e empurra para ali. Muito triste isso. E constatar que o Brasil possui um dos maiores programas de vacinação pública do mundo, com inteligências que podem ser acionadas a todo momento. Porém, a opção não é esta.”

O infectologista da Unicamp alerta que estamos caminhando celeremente para um número superior a 230 mil óbitos até o final deste mês de janeiro, já havendo mais de 8 milhões de indivíduos diagnosticados com Covid-19, sem considerar os não testados. “A população brasileira tem permanecido refém desta política nefasta e destruidora do país, quando há uma necessidade muito grande de vacinação, que deve variar de 50% a 80%, ou até mais, para que se atinja a denominada imunidade coletiva – e sem deixar de monitorar constantemente, com programas de testagem em massa, visando o bloqueio de indivíduos disseminadores da SarsCov2 no seio da sociedade.”

A origem não importa

Para Francisco Aoki, a chegada da CoronaVac e de outras vacinas é muito bem vinda, independendo do país de origem, desde que seja após estudos adequados sobre segurança, imunogenicidade e eficácia, conforme os padrões estabelecidos pela OMS. “Mesmo o Brasil tem potencial para desenvolver vacinas próprias, por instituições públicas excepcionais como Instituto Butantan, BioManguinhos da Fiocruz e um sem número de universidades e centros de pesquisa. Só não o faz por falta de financiamento. Isto tem a ver com modelos subservientes, pautados por interesses apenas econômicos, em detrimento do bem-estar social e de observarmos qual país desejamos para nós e nossos descendentes.”

O médico afirma que, caso tudo isso ocorra, é possível começar a pensar na volta a uma “normalidade” no Brasil, nas atividades essenciais e também na situação econômica, com a volta da capacidade de desenvolvimento. “Estão dificultando não só o estudo e pesquisa de vacinas, como o desenvolvimento de programas absolutamente emergenciais para combate à Covid19, e impedindo o destravamento da economia, limitados a visões extremamente retrógradas, colocando-nos na posição de capachos dos países desenvolvidos. Parece até que estamos num mundo completamente distópico, fora da realidade.”

Na Unicamp, o esforço concentrado para conter a Covid-19 vem motivando inúmeras e importantes iniciativas em todas as áreas da Universidade, desde a confirmação da pandemia em março. “Em meados do ano passado, o Instituto Butantan, através do diretor da área de Estudos Clínicos, Ricardo Palacios Gomez, convidou a Disciplina de Infectologia da FCM a participar do megaprojeto de investigação clínica da vacina anti-SarsCov2. Doze instituições foram convidadas e, com o desenrolar das necessidades de pesquisa, chegou-se a 16 espalhadas por oito estados brasileiros. O primeiro desafio foi buscar voluntários aptos, que seriam 8.860, depois aumentados para 13.060.”

‘Não é difícil, nem fácil’

O projeto começou a ser executado no final de julho de 2020, depois de tramitar rapidamente por instâncias como Superintendência do Hospital de Clínicas, FCM, Diretoria Especial de Assistência à Saúde, Reitoria, Funcamp, Procuradoria Geral e área de divulgação do projeto para arregimentação de voluntários. “O processo tramitou de forma muito intensa e rápida, com o entendimento de todas as instâncias de que velocidade naquele momento seria crucial. Foi cada qual correndo para lá e para cá com o projeto debaixo do braço.”

Por uma questão de confidencialidade, Francisco Aoki não revela casos que o comoveram durante os testes com a Coronav, embora tenham sido muitos, a começar pelo desprendimento dos profissionais que vieram participar como voluntários, ao mesmo tempo em que atuavam na luta contra a Covid-19, no HC e outras áreas de saúde da Unicamp. “Todos e todas lutaram como guerreiros. Um grupo de voluntários que me impressionou foi de desempregados, que receberam uma oportunidade de trabalho da Unicamp, auxiliando em vários setores – médico, laboratório, enfermagem, assistência à pesquisa. Ouvi de uma conversa entre eles: ‘A primeira bolsa que recebi foi para comprar mantimentos para casa’.”

O docente acentua que sem esses profissionais da saúde, colaboradores e executores do projeto, funcionários da própria Unicamp e da Funcamp, os resultados com a CoronaVac, ainda que parciais, não teriam sido em nada possíveis. “Não é difícil, nem é fácil. No entanto, podemos e devemos produzir para que o país se desenvolva e todos os seres humanos possam ter o mínimo decente para sobrevida, autonomia, respeitabilidade da família, dos amigos; para integração plena numa sociedade que seja mais igualitária e não tão produtora de desavenças, inadequações, ódios, preconceitos, misoginias. Obrigado aos que trabalham para este fim – e aos que não entendam que deva ser assim, pois devemos fazer por e para todos, sempre. Estamos juntos e torcendo para que estejamos todos vacinados brevemente e com retorno à vida normal.”

Vacina coronavac
Vacina Sinovac Biotech | Foto: Antonio Scarpinetti


 


Texto: Luiz Sugimoto
Matéria originalmente publicada no Portal da Unicamp.