Objetivo: Avaliar aspectos do sangramento uterino anormal na população de adolescentes brasileiras das cinco regiões geográficas oficiais do país, desde a prevalência às repercussões sobre a qualidade de vida e aspectos cotidianos relacionados à menstruação. Comparar a prevalência de sangramento uterino anormal entre adolescentes e adultas. Avaliar a influência das condições socioeconômicas e a relação com pobreza menstrual.
Metodologia: Estudo de corte transversal multicêntrico conduzido entre 2021 e 2022, incluindo 1761 mulheres, das quais 195 eram adolescentes. Centros representativos do país, das cinco regiões geográficas oficiais do país. As mulheres foram recrutadas quando em atendimento em ambulatórios não especializados de sangramento uterino ou quando estivessem acompanhando familiares em atendimento. Dados sociodemográficos, características de seus ciclos menstruais, hábitos de higiene e de uso de produtos sanitários menstruais e autopercepção do impacto em sua qualidade de vida foram coletados através de questionários. Avaliamos também, características do ciclo menstrual, hábitos relacionados aos produtos sanitários menstruais, classificação socioeconômica, valores dos absorventes e seus impactos diretos sobre a renda familiar mensal.
Resultados: Dentre as participantes do estudo multicêntrico, 195 mulheres eram adolescentes, a média de idade foi de 16,70 ± 1,99 anos. Dentre elas, 20,51 adolescentes referiram Sangramento Uterino Anormal, comparado a 32,76 das mulheres adultas. As adolescentes pardas e pretas, moradoras das regiões de menor poder socioeconômico do país (norte e nordeste) apresentam mais sangramento uterino anormal do que as das regiões com melhor poder socioeconômico (p=0.006). A maioria das adolescentes (61 ) referia impacto sobre sua qualidade de vida, relacionado ao ciclo menstrual.
Entre as adolescentes com Sangramento Uterino Anormal, 60 apresentavam ciclos menstruais irregulares e 30 relataram menstruação com duração superior a 8 dias. Observou-se também um uso significativamente maior de produtos sanitários higiênicos para conterem o sangramento menstrual (p<0.001). Essas adolescentes referiram mais episódios de sangramento fora do período menstrual (p=0.001), além de maior frequência de troca de roupas intimas (p=0.005), de vestuário (p=0.006) e de roupas de cama (p=0.005) quando comparadas às com sangramento normal. O número médio de absorventes utilizados por ciclo foi substancialmente maior no grupo com SUA, com média de 23 unidades por menstruação, frente a 10 unidades entre as adolescentes com percepção de sangramento dentro da normalidade (p=0.015). O cálculo do impacto financeiro médio por unidade de absorvente, relacionado ao uso mensal do produto leva a observações de que o comprometimento da renda entre adolescentes de classes sociais mais altas (A, B1 e B2) variou de 0.05 a 0.15 , enquanto nas adolescentes dos estratos mais baixos (D e E), esse comprometimento foi de 1.66 da renda mensal, ou seja, 20 vezes mais elevado.
Conclusão: Adolescentes brasileiras têm expressiva prevalência de sangramento uterino anormal, sendo que duas em cada dez adolescentes apresentam a condição. A população adulta apresenta maiores números de sangramento anormal. As adolescentes com relato de sangramento anormal apresentavam mais anemia, maior necessidade de produtos de higiene, maior extravasamento de sangue e maior dificuldade em acesso no atendimento, em especial nas mais vulneráveis, de menor poder socioeconômico, pardas e pretas. Com estas evidências, reforçamos a importância de políticas públicas de inclusão facilitando o acesso e o cuidado relacionado à menstruação em adolescentes.