Introdução:
A síndrome da enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES) é uma forma rara e potencialmente grave de alergia alimentar não IgE-mediada, que acomete principalmente lactentes e crianças pequenas. A proteína do leite de vaca é o principal alimento envolvido na FPIES em todo o mundo. Apesar dos avanços recentes, os dados sobre a história natural da FPIES induzida pela proteína do leite de vaca, seu manejo clínico e desfechos permanecem limitados.
Objetivo:
Avaliar os aspectos clínicos, epidemiológicos e de manejo da FPIES induzida pela proteína do leite de vaca, por meio de uma revisão sistemática da literatura e de um estudo observacional em um centro de referência.
Métodos:
Esta tese foi composta por dois estudos complementares. A revisão sistemática foi conduzida segundo as diretrizes do PRISMA, abrangendo publicações até setembro de 2024 nas bases PubMed/MEDLINE, Embase, Scopus, Web of Science, Cochrane Library e LILACS. Foram incluídos estudos originais que avaliaram pacientes pediátricos com FPIES induzida exclusivamente pela proteína do leite de vaca, com desfechos relacionados à aquisição de tolerância.
O estudo original foi uma série de casos, realizado no ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica da UNICAMP entre janeiro de 2018 e junho de 2024. Foram incluídos cinco pacientes diagnosticados com FPIES à proteína do leite de vaca, submetidos a um total de 19 testes de provocação oral (TPO), incluindo TPOs acidentais e programados. Os dados clínicos e de evolução foram analisados descritivamente.
Resultados:
A revisão sistemática incluiu 12 estudos internacionais, com populações compostas por lactentes com FPIES à proteína do leite de vaca. Foi observada ampla variabilidade nos protocolos de TPO e no tempo de aquisição de tolerância, com taxas de resolução entre 35 aos dois anos e até 85 aos cinco anos.
No estudo original, cinco pacientes foram avaliados, totalizando 19 TPOs. A idade média da primeira manifestação clínica foi de 35 dias. Todos os pacientes apresentaram quadros graves, com necessidade de internação em unidade de terapia intensiva em quatro casos. A média de tempo para aquisição de tolerância à proteína do leite de vaca foi de 44 meses (variando de 17 a 103 meses), sendo mais prolongada nos pacientes com doenças genéticas associadas.
Conclusão:
A FPIES induzida pela proteína do leite de vaca apresenta curso variável e manejo desafiador, frequentemente requerendo múltiplos TPOs até a aquisição de tolerância. Fatores como presença de síndromes genéticas podem influenciar esse processo. Os achados desta tese contribuem para o aprimoramento das estratégias de manejo clínico e para uma melhor compreensão da história natural da FPIES em nosso meio.