Ação da metformina se dá no intestino humano e não no fígado, demonstram pesquisadores da Unicamp em artigo da PNAS
Publicado por: Camila Delmondes
20 de janeiro de 2023

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São inéditos os achados da pesquisa publicada na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences  (PNAS), em que um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) descreve o mecanismo de atuação do medicamento mais utilizado no mundo no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2): a metformina. A publicação sugere que a primeira e mais importante ação da droga acontece no intestino delgado e intestino grosso, e não no fígado, como então acreditava a comunidade científica. Veja o artigo completo, aqui.

“Quando pensamos em condições fisiológicas, temos em mente o seguinte caminho: o indivíduo ingere uma carga de glicose (alimento), essa carga é absorvida pelas células do intestino, que liberam essa glicose para o fígado e outros tecidos. Observamos que a metformina atua, justamente, no caminho contrário a este fisiológico. Ela retira a glicose da circulação sanguínea e a traz para a célula intestinal, onde será metabolizada”, explica a biomédica do Hospital de Clínicas da Unicamp, Natália Tobar, autora da tese de doutorado que deu origem à publicação da PNAS.

Orientador da pesquisa desenvolvida por Natália ao longo de 10 anos, o docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Mario Saad, explicou que a metformina é prescrita há mais de 60 anos no tratamento da DM2, e seu mecanismo de ação, descrito até então, era a redução da produção hepática de glicose. Ao observar que o uso da metformina proporcionava maior captação reversa de glicose no intestino dos pacientes, eles descobriram que a droga estimulava, neste órgão, o reaparecimento do transportador de glicose denominado GLUT1. 

“Durante o período fetal, o GLUT1 age na retirada da glicose da circulação sanguínea do cordão umbilical para o intestino fetal, garantindo a sobrevivência do bebê, sendo desativado após o nascimento. Compreendemos, a partir daí, que a principal ação da metformina, com o reaparecimento desse transportador no intestino humano adulto, seria a de aumentar a captação de glicose neste órgão. Em resumo, pensávamos, até então, que o fígado era o primeiro e principal órgão de atuação desta droga. Mas, agora, compreendemos que seus efeitos acontecem em uma etapa anterior, no intestino”, afirmou Saad.

Saad comenta, ainda, que além de desencadear o reaparecimento do GLUT1 no intestino dos pacientes, a metformina também ativa outro transportador de glicose, o GLUT2, regulando a atuação de ambos os transportadores, de acordo com os níveis de glicemia. “Se a glicemia do paciente está muito alta, quem age mais é o GLUT2. Do contrário, quem age é o GLUT1. Concluímos, assim, que ambos os transportadores atuam na redução da glicose na circulação sanguínea”, finaliza.

Mario Saad e Natália Tobar, cuja pesquisa de doutorado resultou na publicação veiculada na Proceedings of the National Academy of Sciences/Foto: Mercedes Santos

O biólogo do Laboratório de Investigação clínica em resistência à insulina, Guilherme Z. Rocha, que atuou na realização de diversos experimentos para o estudo, dá mais detalhes sobre o funcionamento da metformina no intestino humano. Ele conta que, uma vez retirada da circulação sanguínea, a glicose é metabolizada no intestino, transformando-se em lactato e acetato, que são transportados para o fígado através da veia mesentérica, através do sistema porta, contribuindo na redução da produção hepática da glicose.

“Esses metabólitos, produzidos no intestino, ajudam a regular a produção hepática de glicose. Se a glicemia for muito elevada, haverá grande captação e metabolização de glicose no intestino e os produtos da glicose chegam ao fígado e aí sim reduzem a produção hepática de glicose. Entretanto, se a glicemia não for normal ou discretamente elevada, a captação e metabolização de glicose será apenas moderada, com menos produtos chegando ao fígado. Nessa situação não haverá redução de produção de glicose pelo fígado. Assim, quem determina o efeito final da metformina é o intestino, que através de metabólitos, conversa com o fígado e diz ao fígado se ele deve ou não reduzir a produção hepática de glicose”.

Imagem esquemática da atuação da metformina no intestino humano | Ilustração dos autores

Infraestrutura de pesquisa

De acordo com Saad, os resultados divulgados pelos pesquisadores da Unicamp, no artigo da PNAS, descrevem um mecanismo de ação de droga contra o diabetes nunca antes descrito, abrindo novas perspectivas para o tratamento do DM2, reforçando a prescrição da metformina como a primeira escolha de droga no tratamento da doença. O pesquisador reconhece, nesse sentido, à infraestrutura de pesquisa necessária na obtenção desses achados. Nesse contexto, destaca o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e a participação de outros parceiros.

“Esse trabalho é resultado da interação de muitas instituições de ensino e pesquisa, que destaco através de professores universitários, pesquisadores, estudantes de pós-graduação, representados por: Celso Dario Ramos (Medicina Nuclear, HC Unicamp), Marcelo Mori e Marco Vinolo (Instituto de Biologia, Unicamp), Kléber Franchini (Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) associado ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Claúdio Tormena (Instituto de Química, Unicamp), José Rocha Gontijo e Patrícia Boehr (FCM, Unicamp)".

O pesquisador destacou, também, a utilização do equipamento de PET-CT, instalado no Serviço de Medicina Nuclear do HC Unicamp, conquistado através de Projeto Fapesp Multiusuário, por intermédio dos professores Ceslo Dario Ramos e Cármino Antonio de Souza. "Esse trabalho só conseguiu esses resultados em humanos porque dispunhamos desse equipamento em nosso hospital. Conseguimos avançar o conhecimento científico quando integramos assistência médica de qualidade com pesquisa inovadora. Isso contribui para desenvolvimento do país”, afirmou.

Além de Natália Tobar, Mario Saad e Gulherme Z. Rocha;  a publicação na PNAS tem como autores: Andrey Santos; Dioze Guadagnini; Heloísa B. Assalin; Juliana A. Camargo; Any E. S. S. Gonçalves; Flávia R. Pallis; Alexandre G. Oliveira; Silvana A. Rocco; Raphael M. Neto; Irene Layanae de Sousa; Marcos R. Alborghetti; Maurício L. Sforça; Patrícia B. Rodrigues; Raíssa G. Ludwig; Emerielle C. Vanzela; Sérgio Q. Brunetto; Patrícia A. Boer; José A. Ro. Gontijo; Bruno Geloneze; Carla E. O. Carvalho; Patrícia O. Prada; Franco Folli; Rui Curi; Marcelo A. Mori; Marco A.R. Vinolo; Celso D. Ramos; Kleber G. Franchini, e Cláudio F. Tormena.



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