Inauguração de auditório repara história de professores do Departamento de Saúde Coletiva da FCM
Publicado por: Camila Delmondes
26 de novembro de 2024

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No centro da imagem, a professora da ENSP, Anamaria Testa Tambellini, acompanhada dos colegas do Departamento de Saúde Coletiva, onde atuou no período de 1967 a 1975/Foto: Karen Moraes

O Departamento de Saúde Coletiva (DSC) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp inaugurou, no dia 7 de novembro, o Auditório Sérgio Arouca, em homenagem póstuma ao professor e médico sanitarista Antônio Sergio da Silva Arouca. A cerimônia contou com a participação de Anamaria Testa Tambellini, professora titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), amiga e ex-companheira do docente. Ambos atuaram na FCM, no período de 1967 a 1975.

“Esse é um dia histórico para a nossa universidade. Reparar e conhecer a história do nosso departamento é fundamental e cientificamente relevante”, disse a chefe do DSC da FCM, Rosana Onocko Campos, na abertura da solenidade.

Na ocasião, o coordenador da Comissão de Extensão e Assuntos Comunitários da FCM, Rubens Bedrikow, abordou aspectos do dossiê elaborado sobre da vida do professor Sérgio Arouca, que serviu de base ao título Doutor Honoris Causa, conferido pela Unicamp no mesmo dia da inauguração do auditório na FCM. Leia matéria sobre o prêmio, aqui.

A chefe do Departamento de Saúde Coletiva da FCM, Rosana Onocko Campos, e o coordenador da Comissão de Extensão de Extensão Universitária e Assuntos Comunitários da FCM, Rubens Bedrikow/Fotos: Camila Delmondes

“Nossa pesquisa foi documental e incluiu documentos como o prontuário com o registro de toda a vida funcional do professor, além de cartas que os professores da USP de Ribeirão Preto encaminhavam para a Unicamp. Quando chegou à FCM, o professor Arouca passou a desenvolver atividades coordenadas pelo então Departamento de Medicina Preventiva e Social, no Jardim das Oliveiras, realizando um trabalho integrado que envolvia várias especialidades médicas no atendimento da população”, disse.

Rubens contou ainda, que nesse período, os alunos do segundo e quinto ano faziam visitas mensais às famílias e a cada dois meses passavam por supervisão dos professores, contando com um roteiro específico para entrevistar as famílias.

“Esse roteiro já trazia questões relacionadas aos Determinantes Sociais em Saúde. A partir dessa pesquisa foi possível enxergar a vocação da Unicamp na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), advinda da atuação de professores a exemplo do Sérgio Arouca”, afirmou.

Convidada de honra da inauguração, Anamaria Testa Tambellini fez um histórico da sua relação com o professor homenageado, iniciada na cidade de Ribeirão Preto, na ocasião em que ambos se preparavam para ingressar na faculdade. Ela cursava o segundo ano do científico. Ele, o terceiro, já reconhecidamente como uma liderança. O gosto pela política desencadearia a amizade entre ambos os futuros médicos, à época, membros do Partido Comunista.

"Os tempos que passamos aqui na Unicamp foram muito férteis para o nosso desenvolvimento intelectual como pesquisadores", disse a professora da ENSP, Anamaria Testa Tambellini/Foto: Camila Delmondes

“Conheci o Arouca fazendo política”, comentou Anamaria ao falar sobre a inquietação de Sérgio Arouca com o curso médico, que logo de início, segundo o mesmo, “apresentava a morte aos estudantes com a dissecação de cadáveres”. Tal indignação o faria adiar a formação em um ano, mas de volta à escola médica, ele dedicaria atenção especial ao estágio realizado na cidade de Cássia dos Coqueiros (SP), no entendimento da Doença de Chagas que acometia cerca de 90% da população desse município.

Depois de concluído o curso, Anamaria conta que Arouca veio para a Unicamp motivado pela existência de um departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS), onde poderia desenvolver pesquisas sobre a Doença de Chagas. Ela permaneceu em Ribeirão Preto para cursar a residência médica e realizar estudos sobre mortalidade infantil, mas pouco tempo depois também se mudaria para Campinas sendo contratada para o mesmo departamento do amigo e agora namorado.

“Os tempos que passamos aqui na Unicamp foram muito férteis para o nosso desenvolvimento intelectual como pesquisadores, pois nos era permitido realizar cursos em outras áreas, como ciências sociais e filosofia. Reaprendemos a ler Karl Marx, Eni Orlandi, Manuel Castells. Foi quando começamos a pensar em uma Medicina que oferecesse maior inclusão. Eu dizia que reunia as minhas pacientes para um exercício em que discutíamos a determinação social das doenças, mas no fim eu estava mesmo era fazendo política. Foi quando recebi um aviso da Reitoria da Unicamp, dizendo que eu estava chamando muito à atenção por trabalhar a partir de um conceito ‘muito marxista’. Então entendi que estávamos vivendo uma situação diferente”.

Anamaria e Arouca perceberam que o clima começava a pesar na Unicamp, mesmo com Zeferino Vaz, reitor da Unicamp à época, mantendo boa relação com o Regime Militar. Ainda assim, a todo momento, o chefe do DMPS da FCM, Miguel Tobar Acosta, era chamado a prestar esclarecimentos às autoridades. O país sofria com as perseguições impetradas pelo Regime. Os membros do Partido Comunista eram perseguidos em todos os lugares. Os professores se esforçavam por acolher estudantes perseguidos, enquanto também passavam a sofrer entraves na própria carreira.

“A situação agravou-se quando o professor Zeferino Vaz, pressionado, impediu que defendêssemos os nossos trabalhos. Fomos aconselhados a ir embora da Unicamp porque estávamos causando muita turbulência. Um dia fui avisada de que um de nossos residentes havia sido preso e que eu e o Arouca éramos os próximos da lista. Peguei somente a roupa do corpo e fugi com o meu filho pequeno para a casa de um amigo, onde ficamos escondidos por uma semana, sem poder fazer qualquer barulho para não sermos descobertos”, relatou Anamaria.

Passado o período mais dramático, ambos se mudaram para o Rio de Janeiro. Anamaria trabalhou inicialmente na Universidade Federal do Rio de Janeiro, depois ingressou na Friocruz, acompanhando mais uma vez o amigo e agora ex-companheiro, Sérgio Arouca. Ambos atuaram no desenvolvimento de pesquisas e na melhoria da própria Fundação.

“Assim como na Unicamp, o professor Arouca foi alguém muito importante na história da Fiocruz, propondo mudanças e melhorias da fundação, inclusive, na reintegração de dez pesquisadores cassados durante a Ditadura, no episódio que ficou conhecido como ‘o massacre de Manguinhos’. Durante o tempo em que foi presidente da Fundação, ele trabalhou na instauração de uma instituição de pesquisa e docência na Saúde que fosse democrática, escalonando a tomada de decisões coletivas em vários níveis”, finalizou Anamaria.



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