Resumo
Introdução: A pandemia causada pelo SARS-CoV-2 teve impacto no sistema de saúde, afetando significativamente a notificação e o manejo clínico da hanseníase. Este estudo investigou o perfil epidemiológico e clínico dos casos de hanseníase diagnosticados no município de Mossoró-RN antes, durante e após a fase aguda da pandemia de COVID-19, além da ocorrência de coinfecção entre COVID-19 e hanseníase em pacientes sob tratamento com poliquimioterapia. Objetivos: Realizar levantamento epidemiológico dos casos novos de hanseníase no município de Mossoró, avaliar o impacto temporal da pandemia sobre o diagnóstico e acompanhamento desses pacientes e analisar as características clínicas dos indivíduos que apresentaram coinfecção por COVID-19.Métodos: Trata-se de estudo prospectivo e observacional realizado com base em 363 casos novos notificados entre 2018 e 2023. Os casos foram divididos em quatro períodos epidemiológicos: pré-pandêmico (2018 a fevereiro de 2020), pandêmico agudo (março de 2020 a dezembro de 2021), transição (2022) e pós-pandêmico (2023). Variáveis clínicas (classificação operacional, presença de reação hansênica, tratamento e abandono), sociodemográficas (sexo, idade, raça, escolaridade) e epidemiológicas (incidência ajustada por 100 semanas epidemiológicas) foram analisadas. Para pacientes tratados durante a pandemia aguda, também foi realizada testagem sorológica para COVID-19, além da coleta de dados clínicos complementares. As análises estatísticas incluíram testes de associação, regressão de Poisson, regressão logística e testes comparativos entre períodos, com rigoroso controle dos pressupostos estatísticos e possíveis violações. Resultados: A idade média dos pacientes foi de 51,8 anos, predominando homens (61,7 ), com maior frequência entre 30 e 59 anos. Houve predomínio de casos multibacilares (MB) em todos os períodos analisados. Durante o período pandêmico agudo, foi observada uma maior taxa ajustada de incidência semanal (1,50 casos por semana), seguida por redução significativa nos períodos de transição (0,94 casos por semana; RT=0,63; IC95 : 0,47–0,85; p=0,006) e pós-pandêmico (0,49 casos por semana; RT=0,33; IC95 : 0,24–0,45; p<0,001). Destaca-se uma redução acentuada nos diagnósticos em indivíduos mais jovens e menor impacto sobre pacientes com baixa escolaridade, reforçando o perfil de vulnerabilidade socioeconômica. A taxa ajustada de abandono de tratamento atingiu seu pico durante o período pandêmico agudo (0,08 abandonos por semana), com maior risco associado ao sexo masculino (OR=6,3; IC95 : 2,6–15,3; p<0,05) e idade avançada. Em relação à coinfecção por COVID-19, dos 57 pacientes analisados, 21 (36,8 ) apresentaram testes positivos sem agravamento dos quadros clínicos de hanseníase ou COVID-19. Conclusões: O estudo demonstrou impacto significativo da pandemia de COVID-19 sobre o diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com hanseníase, evidenciando redução importante na incidência após o período agudo. Embora não tenha sido identificado agravamento clínico significativo por COVID-19 nos pacientes coinfectados, os resultados indicam necessidade de estratégias específicas para monitorar pacientes de maior vulnerabilidade social, homens e idosos, grupos com maior risco de interrupção de tratamento. Os achados reforçam a importância da manutenção das ações preventivas e de vigilância epidemiológica, sobretudo em contextos pandêmicos, visando evitar subdiagnósticos e garantir tratamento continuado para grupos vulneráveis.
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