Júlia Prado Franceschi

A farmacologista Júlia Prado Franceschi sempre se destacou em sua atividade profissional pelo amor ao trabalho sério. Veio da USP para a Unicamp, onde ocupou diversas funções, ingressando na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) em 1963. Durante anos, foi técnica de cultura de leucócitos, aposentando-se nesta Universidade como professora adjunta do Departamento de Farmacologia. Segundo seu relato, o privilégio de trabalhar com o pesquisador Oswaldo Vital Brazil, filho do fundador do Instituto Butantã, e criador do mencionado departamento, acrescentou muito à sua prática, razão pela qual dedica por este mestre profunda admiração. Defensora dos alunos, embora exigente, Júlia sente muita saudade das aulas de laboratório e da convivência, principalmente na Maternidade de Campinas, onde nasceu e funcionou a Faculdade antes de vir, finalmente, para seu lugar atual.

A minha experiência profissional na FCM iniciou em 1963. Naquele tempo, ela funcionava na Maternidade. Como fato pitoresco que posso contar foi sobre o meu primeiro salário, que eu recebi no corredor do hospital. O tesoureiro vinha passando e me disse: “Dra., já chegou o seu dinheiro”. Tirou do bolso e me pagou o equivalente ao salário de professora. Depois de uma rápida passagem pelo Departamento de Genética Médica, onde fiquei por seis meses, comecei a trabalhar na Farmacologia com o professor Oswaldo Vital Brazil. Ele era uma figura: filho de Vital Brazil, mineiro da Campanha, o grande médico brasileiro que, no início do século, fundou o Instituto Butantã. Oswaldo trouxe para o nosso convívio uma fidalguia que lhe era natural, uma educação refinada e um entusiasmo contagiante pela pesquisa e pelo ensino.

Algumas vezes, fomos sim alvos de críticas exacerbadas. O professor Oswaldo também. Havia quem fizesse alusão à imprevisão da Farmacologia, isso porque, enquanto outros departamentos pediam, na importação, 12 caixotes de material importado, Oswaldo pedia dois, e utilizava muitos recursos emprestados. Nunca teve problemas de compartilhar um aparelho mais caro com outro cientista. Na verdade, o importante para ele era que a pessoa fosse capaz de se dedicar profundamente à busca da verdade científica.

Da Maternidade, gosto de lembrar das nossas salas de aula práticas, local onde recebíamos grupos de oito alunos. Era nossa própria sala de trabalho onde ficávamos com esses alunos, às vezes até sete horas da noite, enquanto houvesse alguém interessado em fazer alguma pergunta e esclarecer dúvidas.

Eu me lembro da vez em que precisávamos ter um animal para fazer uma certa experiência e que o Nadim, nosso técnico (ainda em atividade profissional), foi até o Mercadão e convenceu uma senhora a fazer a doação de um cachorrinho a uma criança doente. Com o animal garantido para o experimento, os alunos tiveram uma belíssima aula, observando o que acontecia enquanto administrávamos determinada droga a esse animal.

Estas aulas práticas foram objeto de muitas controvérsias. A Associação Protetora dos Animais queria que nós fizéssemos apenas simulações. Agora, então que existe a possibilidade de fazer simulação em computador parece que fica sem sentido a aula prática daqueles anos. Ficou a emoção que eu sentia quando, durante a aula prática, o evento não ocorria como previsto: a droga era administrada e o resultado era outro, diferente daquele esperado. Então tínhamos a oportunidade de conversar com os alunos o porquê e prepará-los para um futuro quando, diante do seu paciente, a administração da droga não causasse o efeito desejado.

Se eu pensar em todas as funções que ocupei nesta Universidade, poderei dizer que, ainda no Departamento de Genética, houve uma ocasião em que eu tive que lavar as paredes da sala destinada para cultura pura, porque não dispúnhamos de funcionários. Houve vezes na Faculdade que desempenhei funções de secretária, redigindo ofícios. Fiz papel de técnico também, porque foi necessário.

A pesquisa nos primeiros tempos da FCM era uma aventura. Apesar de sermos um grupo menor, praticamente sabíamos de todas as pesquisas que se conduziam na Faculdade. Sabíamos das pesquisas da Clínica Médica, da Histologia, da Bioquímica. O fato de estarmos juntos no mesmo prédio, ajudava. Nós nos encontrávamos no elevador. A gente parava para tomar café juntos. Depois, com o crescimento, é evidente que a vinda aqui para o campus fez com que cada um procurasse obter o maior espaço possível. E, dentro desse espaço maior, as pessoas conseguiram também o seu isolamento. De repente, a gente já não sabia mais o que estava acontecendo neste ou em outro lugar.

Na Maternidade, as três primeiras festas de natal foram organizadas por mim, pela Dra. Alba e pela Dra. Clara, professoras da histologia e da bioquímica. Fomos de funcionário a funcionário indagando o nome, a idade e sobre cada um dos filhos deles. Quando o Papai Noel chegou distribuindo os presentes, eu vi até mocinha de 12 anos se emocionar por receber sua primeira caixinha de costuras, ao lado de outras crianças que estavam recebendo brinquedos. Eu fiz também os três primeiros bolos das festinhas. Depois disso, a Unicamp sofreu um boom tão grande que a festa de Natal passou a ser um churrasco maior e daí desapareceu, infelizmente, a festa familiar do grupo pequeno de pessoas.

O que me encanta é ter tido a oportunidade maravilhosa de ter sido professora de todos os médicos e enfermeiros formados na Unicamp. Até hoje, quando encontro meus meninos e as minhas meninas, como os chamo na intimidade, é uma festa. Quando eu olho para eles, penso: como é o seu nome? ... O nome já esqueci, no entanto, vejo a feição e me volta a lembrança. Alguns, eu me lembro nos pontos da sala em que se sentavam. Recordo-me daqueles que causavam problemas e daqueles que se destacavam pela vibração com que respondiam aos apelos que lhes eram feitos por amor. “Não dá para ensinar quando a gente não ama.”

As festas de formatura da medicina foram ilustres. Durante a gestão do Prof. Pinotti, nós formávamos o cortejo universitário que adentrava o teatro municipal. Todos vestiam becas. O próprio Prof. Zeferino nos incentivou a fazer, cada um, a sua própria beca. Eu me lembro de ter recebido o diploma de doutor em medicina, embora tivesse defendido uma tese de ciências fisiológicas, das mãos do professor Zeferino.

Criamos um orgulho pela Unicamp que nós, da USP, já tínhamos daquela universidade. Mas, de repente, se eu considerar bem as coisas, na USP fiquei por seis anos de formação e dois de pesquisa. Na Unicamp, foram 40 anos de realizações em campos diferentes: campo do ensino, da pesquisa e até administrativo, onde fui coordenadora de biblioteca, coordenadora de departamento. Estive na congregação muitos anos. Atuei em várias frentes. Não sei nem dizer se fiz o melhor. Porém, para o meu bem-estar e paz de espírito, digo que aquilo que fiz foi com muito empenho e afeto.

A mensagem que gostaria de deixar para a FCM é a seguinte: “Eu amo vocês! Eu amo este ambiente em que trabalhei 40 anos! É verdade que existiram pessoas que se sentiam um pouco deslocadas porque não conseguiram se integrar, captar o espírito dessa escola, sentindo-se à margem do processo. Essas pessoas muitas vezes reclamavam de maneira amarga contra a carga horária, contra a necessidade de dar aula. Meu Deus do céu! Reclamar de dar aula é alguma coisa que não é compatível para quem está exercendo a docência. Por favor, colegas, amem seus alunos e tenham orgulho de pertencer a esta escola!